ATLETAS DE CRISTO SE ESPALHA PELO MUNDO
Porto Alegre, 26 de setembro de 2015. Perto das 21h30, um grupo se ajoelha no chão e aponta para o céu.
Santos, 27 de setembro de 2015. Às 11h36, um trio repete o gesto visto horas antes na noite da capital gaúcha. Mais tarde, às 19h52, mas em Belo Horizonte, a cena volta a ocorrer.
Todas elas aconteceram em jogos da primeira divisão do Campeonato Brasileiro.
E foi assim em agosto, julho e durante todos os meses neste ano. Não há conta oficial, mas é certo: o ato de se ajoelhar e apontar para o céu após um gol é uma cena frequente no futebol nacional, das Séries A à D.
Espalhada pelo Brasil, a comemoração é um reflexo da grande quantidade de jogadores que pertencem a um movimento integrado por desportistas de várias modalidades: os Atletas de Cristo.
Sem ligação com uma igreja ou uma religião específica, o grupo - que se define como um movimento - reúne esportistas que reconhecem Jesus Cristo como filho e caminho de ligação entre o homem e Deus.
No futebol, a maneira encontrada dentro de campo de expressar livremente esse pensamento foi justamente no ato de se ajoelhar em grupo. Mas, ao contrário das comemorações que envolvem "dancinhas", nada é combinado entre estes atletas. O objetivo deles ao balançar as redes é um só.
"Não se define isso no vestiário. Na hora do jogo já sabemos da comemoração. Se um quer fazer diferente, pode, não é uma regra, não é uma imposição. Isso [comemoração] só mostra que todos estão pensando da mesma forma. No momento do gol queremos glorificar a Deus. Qualquer gol vamos comemorar neste sentido, cada um põe isso para fora. Acho eu nos outros clubes é assim também. Não existe um contato com atletas dos outros clubes, em sentido de concordância quanto a isso", explicou Ricardo Oliveira, atacante do Santos, ao ESPN.com.br.
O experiente centroavante é conhecido por sua dedicação à religião. De família católica, ele se converteu ao cristianismo protestante em 2000 e, desde então, lidera grupos e pessoas por onde passa. "É algo bem legal, eu me sinto superfeliz. Acredito que é um dos melhores investimentos que podemos fazer que é investir em pessoas".
Foi justamente esse pensamento de investir em pessoas que estimulou a criação do Atletas de Cristo perto do começo da década de 1980.
EFE
O COMEÇO
Ao lado ex-centroavante Baltazar, que passou por clubes como Grêmio, Flamengo e Palmeiras, o ex-goleiro João Leite foi um dos fundadores do movimento. O ídolo do Atlético-MG, hoje deputado estadual (PSDB-MG), sentia que tinha a missão de espalhar a mensagem de Jesus.
"Creio que tem aí um sentimento de missão, especialmente dos cristãos. Eles se sentem assim. Esses atletas são missionários, porta-vozes da mensagem eterna de Jesus. Assim que me sentia. Queria proclamar minha fé", afirmou ao ESPN.com.br.
Uma das maneiras que Leite encontrou de se expressar na época como jogador foi usar a inscrição "Jesus Salva" em seus uniformes. No entanto, a mensagem foi proibida pela Confederação Brasileira de Futebol. A solução encontrada foi curiosa.
"Então eu comecei a entregar Bíblias dentro de campo. No mundo muçulmano levei Bíblia para entregar dentro do campo, era algo impensável. Quando fomos jogar na Romênia, levei as bíblias e pedi para meus colegas para ajudar a entregar. Entramos em campo e levamos 11 bíblias para o meio do campo. Levei para os jogadores da seleção da Argélia, que ficavam gritando ‘Alá'."
O DESENVOLVIMENTO
O movimento foi crescendo ao longo dos anos e chegou a contar com 120 grupos locais espalhados pelo Brasil, 7 mil atletas cadastrados e 30 mil seguidores. Reuniões semanais locais e congresso anuais também são realizados. Logo, esportistas participantes do movimento chegaram a Copas do Mundo e também em Jogos Olímpicos, recebendo inclusive outros membros para encontros.
"Fui para cinco Jogos Olímpicos: Seul-88, Atlanta-96, Atenas-2004, Pequim-2008 e Londres-2012. Em duas eu fui de maneira informal, a convite de atletas e em outras fui convidado pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Fui também para cinco Copas: 90, 94, 98, 2002 e 2006", relata Alex Dias Ribeiro, ex-piloto de Fórmula 1 e que foi diretor-executivo do Atletas de Cristo entre 1985 e 2007. A entidade, que está em mais de 70 países, é presidida por Marcos Grava, ex-jogador de handebol.
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Dias foi um dos pioneiros em expressar publicamente sua fé. Na época em que corria, chegou a colocar a inscrição "Jesus Salva" em seus carros. Ele escreveu ainda livros sobre o assunto e crê que a parte espiritual só contribui com o esporte.
"O homem que está bem espiritualmente se relaciona melhor com todos: colegas de time, adversários e contribui para a paz. É um modelo de comportamento positivo para a juventude e para os adolescentes. O esporte é tão cheio de heróis e vilões... os Atletas de Cristo têm potencial de serem heróis do bem. E agentes positivos de comportamento e de eficiência, respeito, passar valores diferentes da violência, da ‘catimba'", opina.
O ex-piloto diz que seu próprio crescimento como cristão mudou seu pensamento ao longo dos anos. E dá como exemplo uma mudança de atitude que teve em situações semelhantes quando competia.
"Uma vez eu ganhei uma corrida depois de queimar a largada. Na época, quando você queimava, tinha uma punição de 15 segundos. Na frente, você aproveitava a vantagem de pista livre e andava o mais rápido que podia - o tempo da punição era acrescido ao tempo final. Eu ganhei a corrida: a punição foi de 15 segundos, mas eu ganhei com 20 de vantagem. Não que eu queimava a largada de propósito, dava uma tensão que eu soltava o pé da embreagem. Depois, em uma outra corrida, eu também queimei a largada. Mas imediatamente eu tirei o pé do acelerador. Pelo meu senso de justiça novo eu não podia aproveitar esta vantagem. O cristão verdadeiro chega neste ponto. Isso é sinal de maturidade cristã", relata.
Dias também nega que tenha sido o criador da comemoração que é tão frequente nos campos de futebol do Brasil e também em outros lugares do mundo. Segundo ele, quem inventou o gesto foram jogadores de um time sul-coreano chamado Hallelujah FC, que jogou na liga nacional local entre 1980 e 1998.
"O dono desse time era cristão e todos os atletas deste time também. Eles começaram com isso quando comemoravam um gol. Os jogadores cristãos, não só do Brasil, começaram a comemorar desta maneira".
MANIFESTAÇÕES VETADAS
Um dos pontos mais polêmicos na relação entre religião e futebol está no fato das manifestações sobre qualquer crença serem proibidas dentro de campo. Comuns no passado, camisetas com inscrições sobre Jesus praticamente desapareceram dos gramados.
DIVULGAÇÃO
Para Alex Dias Ribeiro, a proibição é algo negativo para o esporte. Segundo ele, a ação desrespeita a Declaração dos Direitos Humanos, que prevê em seus artigos que qualquer indivíduo tem direito em acreditar em qualquer coisa e de expressar uma fé por quaisquer meios e de qualquer maneira.
"Essa proibição é uma violação. Era até boa para imagem do futebol porque humanizava mais. O interesse não foi contra o cristianismo [de proibir as mensagens], os interesses financeiros falaram. Um atleta que colocava "Jesus" na camisa passava uma mensagem de amor para o mundo", diz ele, que também rebate críticas aos Atletas de Cristo. "Tem repórteres que são contra, que acham que o cara tem que rezar na igreja, que não tem que falar publicamente, mas eles falam isso por ignorância. O cristão verdadeiro é propenso a compartilhar."
Ricardo Oliveira também vê a relação entre futebol, e religião como algo natural. Segundo o atacante, há uma exposição maior pelo fato dos atletas profissionais da elite serem conhecidos do público.
"Quando você deixa evidente sua fé, chama muita atenção. Como falei, isso está inserido na nossa nação, somos um país cristão, temos feito isso de mostrar as pessoas e não nos envergonhamos de expor nossa fé", conclui.
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